sábado, 25 de setembro de 2010

Expanção do halal



Durante anos, Anissa Benchamacha comprou sua carne em um estacionamento, de fornecedores passando produtos vencidos a muçulmanos ansiosos para encontrar alimentos que cumprissem as suas necessidades religiosas.

Mas em uma tarde recente, Anissa ficou calmamente maravilhada com as fileiras arrumadas de pacotes de frios no Hal'Shop, um novo supermercado no subúrbio de Paris de classe média, a alguns metros de corredores de latas de foie gras e garrafas de champanhe sem álcool – tudo halal, ou autorizada pelo islã. "Eu vim aqui no dia de inauguração", ela disse. "É bom que as coisas estão mudando nesse país".

A França tem a maior população de muçulmanos na Europa - cerca de 6 milhões - e mesmo enquanto ouvem o país debater os termos da sua integração na sociedade francesa, eles estão tendo um impacto importante sobre a cultura alimentar.

Quer um reflexo de seu número ou a renda maior das segunda e terceira geração de imigrantes muçulmanos, o mercado de produtos Halal é quase o dobro do tamanho do mercado de alimentos orgânicos.


A França está claramente preocupada com a lealdade cultural dos seus muçulmanos e o que isso poderá significar para o futuro. A câmara baixa do Parlamento votou esmagadoramente neste verão a favor da proibição do uso de véus faciais completos em lugares públicos, e o Senado deve analisar a questão nos próximos meses. A expansão do halal também causou protesto, com alguns oficiais do governo denunciando-a como disseminação do "sectarismo" e um convite à discriminação contra os não-muçulmanos.

Os defensores do fenômeno concordam que a expansão da matriz de alimentos halal aqui é um sinal de que a mistura de religião, comércio e cultura tem sido mais ampla do que muitos imaginam. Mas eles têm uma ideia muito diferentes sobre a evolução.

"É um sinal de integração", disse Abbas Bendali, diretor da Solis, uma agência de pesquisa que diz que o mercado halal está crescendo quase 10% ao ano e deverá atingir cerca de US$ 5,7 bilhões. O segmento mais jovem da população muçulmana da França, disse ele, "já não vive com o mito de que irão regressar ao seu país de origem".

Independentemente das emoções que desperta, o crescimento do halal na França é inegável. Nos últimos cinco anos, os gastos por domicílio em comida halal cresceram 20 vezes, segundo o jornal Le Figaro. A oferta de alimentos halal também mudaram de faixa social e econômica, do tradicional açougueiro do bairro que vendia carne abatidos em conformidade com a lei islâmica, para uma presença significativa na indústria de comida francesa, de supermercados a restaurantes.

Vários grandes supermercados franceses dedicam corredores inteiros a produtos alimentares halal, incluindo linguiça de frango, paella e lasanha. Uma cadeia de supermercados, a Auchan, vende produtos de charcutaria com certificado halal, juntamente com 40 tipos de produtos halal congelados e cerca de 30 refeições halal pré-cozidas.

Linhas

Mesmo marcas icônicas de charcutaria e buffet francesas, como a Fleury Michon, a Pierre Martinet e a Herta criaram linhas halal, enquanto a Evian colocou um selo halal em algumas de suas garrafas para tranquilizar os seus clientes muçulmanos que elas não entraram em contato com o álcool, o que torna a água "haram", ou impura.

Os corredores da Hal'Shop, que abriu no ano passado, têm pouca semelhança com as paredes manchadas de sangue dos açougues halal dos bairros da classe trabalhadora de Paris. O Hal'Shop tem 1.600 produtos, incluindo pratos franceses tradicionais como boeuf carottes e cervelas volaille; latas do foie gras e garrafas de "Noite do Oriente", um champanhe sem álcool feito a partir de uvas prensadas.

"Até agora, o mercado halal era reservado a trabalhadores com mais de 55 anos", disse o proprietário do supermercado, Rachid Bakhalq. "Os produtos eram ‘étnicos’, como o couscous e especiarias, e mal embalados – o tipo de produtos de baixa qualidade que os clientes muçulmanos teriam comprado em seu próprio país de origem".

Bakhalq, 30 anos, estudou administração na França e depois trabalhou em uma empresa farmacêutica, na Inglaterra. Ele se vê como parte de uma nova geração de gourmets halal, como membro de uma camada social, muitas vezes chamada de “bourgeois”, uma brincadeira com as palavras “beur”, uma gíria para árabes, e “bourgeois”, burgueses.

Percebendo a oportunidade, marcas como a Roger Vidal, um famoso fabricante francês de foie gras e terrines, têm investido nessa nova onda de gastronomia halal. Em 2008, Roger Vidal lançou uma série de seis produtos terrines de carne com certificação halal, incluindo uma terrine de cordeiro com amêndoas e ameixas secas, e uma "mousse de aves orientais".

Restaurantes

Alguns restaurantes elegantes de Paris também começaram, discretamente, a tornar seus menus halal. O Les Enfants Terribles, na região 12 º, oferece cozinha bistrô e um menu fixo por cerca de US$ 37, tudo halal, uma mudança notável dos restaurante halal mais tradicionais, muitos dos quais contam apenas com o onipresente kebabs cortada de um espeto giratório.

Enquanto muitos veem a crescente popularidade do halal como um sinal de tolerância e modernidade no contexto da "laicidade" – a marca sagrada da França de secularismo oficial – alguns condenam a expansão do halal como uma ameaça e um sinal, muitas vezes incontrolável, de um maior dogmatismo religioso e mesmo radicalismo islâmico entre os jovens.

No ano passado, o prefeito de Roubaix, uma cidade no norte da França com a uma grande população muçulmana, apresentou uma queixa contra uma cadeia de fast food Quick depois que ela passou a oferecer carne exclusivamente halal em oito de seus restaurantes e já não serve carne de porco nos bairros muçulmanos.

A Quick disse que a operação foi apenas uma "experiência" que visava testar um mercado crescente na França. Mas o prefeito, Rene Vandierendonck, criticou o que chamou a propagação da discriminação contra os não-muçulmanos. Ele foi acompanhado pelos legisladores do partido do governo do presidente Nicolas Sarkozy, incluindo o ministro da Agricultura, Bruno Le Maire, que declarou que a Quick "tinha caído em sectarismo", removendo de seus restaurantes de carne de porco.

Mesmo Brigitte Bardot, a atriz e ativista dos direitos dos animais, disse à rádio Europe 1 no mês passado que a carne halal "invadiu a França".

No entanto, o debate não parece incomodar Bakhalq. Ele é um empresário satisfeito por poder oferecer aos clientes muçulmanos "algo que sempre quiseram comer".

Ele comparou o novo orgulho de alimentos halal ao movimento Black Beautiful (Negro é Belo, em tradução livre) nos Estados Unidos.

"Quem vem à minha loja sente orgulho de encontrar os produtos que lhes interessa", disse ele. "Isso aumenta a sua autoestima e eles se sentem valorizados".